Por Walisson Pinheiro Pereira,
Primeiras unidades de veículos à bateria adquiridas pelas locadoras decepcionam com baixa demanda e acentuada depreciação.
O setor automotivo está vivendo um momento de transição com a expansão dos carros elétricos, mas nem tudo tem sido tão promissor quanto esperado. Nos últimos anos, empresas de locação de veículos, responsáveis por uma parte significativa das compras de automóveis no Brasil, começaram a investir nessa tecnologia. Contudo, os resultados iniciais foram desanimadores. A desvalorização acentuada dos veículos e a falta de interesse do público forçaram as locadoras a reavaliar suas decisões.
Baixa demanda e forte depreciação
De acordo com a Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla), o setor conta atualmente com 4,3 mil carros elétricos e 6,8 mil híbridos, o que representa menos de 1% da frota total das locadoras. Mesmo a Localiza, a maior empresa do segmento, que encerrou 2023 com 631 mil veículos em sua frota, possui apenas 2,7 mil elétricos e híbridos. A baixa participação desses modelos reflete a difícil realidade enfrentada pelas locadoras: a desvalorização acentuada dos carros elétricos comprados há cerca de três anos.
Esses veículos, em sua maioria de marcas tradicionais, foram revendidos por preços até 45% abaixo do valor de aquisição. Segundo Paulo Miguel Junior, vice-presidente da Abla, isso ocorreu devido à chegada de novos concorrentes, especialmente marcas chinesas que entraram no mercado com ofertas mais baratas e tecnologias mais avançadas. "Os preços caíram drasticamente, e quem investiu antes amargou grandes perdas", afirma Miguel Junior.
Pioneirismo que não deu certo
Um dos exemplos mais emblemáticos desse cenário é a Movida, que, em 2021, adquiriu cerca de 600 modelos elétricos, incluindo Nissan Leaf, Renault Zoe, Fiat 500e e BMW i3. No entanto, em menos de dois anos, grande parte dessa frota ficou parada nos pátios devido à baixa demanda. Em alguns casos, os veículos ficaram encalhados por até seis meses, sendo revendidos com preços até 40% abaixo da tabela Fipe.
Essa experiência negativa fez com que a Movida repensasse seus planos futuros. A empresa chegou a cancelar a compra de 250 unidades do BYD Tan, que estava prevista para 2022. Nos Estados Unidos, a situação não é muito diferente. A Hertz, uma das maiores locadoras do país, também recuou em sua decisão de adquirir 100 mil carros da Tesla, após enfrentar a rápida desvalorização dos seminovos elétricos.
Mercado de usados em ascensão
Embora o mercado de carros elétricos tenha enfrentado desafios, as vendas de veículos eletrificados (elétricos e híbridos) usados cresceram significativamente em 2023. Segundo Enilson Sales, presidente da Fenauto, as vendas de eletrificados aumentaram 90% entre janeiro e julho, atingindo 33 mil unidades. Desse total, 83% dos carros tinham até três anos de uso.
Apesar disso, Sales faz um alerta: “Ainda estamos falando de um nicho de mercado em ascensão, enquanto os veículos a combustão continuam dominando as vendas”. Ele destaca que os veículos tradicionais, a combustão, tiveram um aumento de 9% nas vendas no mesmo período, com 8,8 milhões de unidades comercializadas.
A experiência do consumidor final
Além das dificuldades enfrentadas pelas locadoras, os consumidores também sentem os impactos da desvalorização dos carros elétricos. O empresário Maurício de Barros, de São Paulo, passou por uma situação complicada ao tentar vender seu Peugeot e-208, adquirido por R$ 249 mil. Após rodar 54 mil km em dois anos e meio, ele tentou vender o veículo, mas, após quatro meses sem propostas, aceitou vendê-lo para uma concessionária por R$ 100 mil. "Foi uma perda significativa", admite Barros.
No entanto, ele não desistiu dos elétricos. Barros trocou o Peugeot por um BYD Yuan Plus, que oferece mais tecnologia e maior autonomia de bateria, de 480 km, em comparação aos 320 km do e-208. Ele aproveitou um desconto de R$ 30 mil oferecido pela marca, o que aliviou um pouco o impacto da desvalorização do modelo anterior.
O futuro dos elétricos no Brasil
A chegada de marcas chinesas como BYD e GWM ao Brasil pode mudar o cenário dos carros elétricos no país. Ambas as empresas prometem iniciar a produção local de veículos elétricos e híbridos a partir de 2024, o que deve reduzir os custos e aumentar a competitividade dos modelos nacionais. Além disso, essas marcas adotaram uma política de recompra de seminovos, oferecendo valores próximos aos da tabela Fipe, o que pode gerar mais confiança no mercado.
Apesar dos desafios, o futuro dos carros elétricos ainda promete. Com a evolução da tecnologia e a ampliação da infraestrutura de recarga, os veículos elétricos têm potencial para conquistar uma fatia maior do mercado nos próximos anos. Contudo, as grandes locadoras, que já sentiram os efeitos da desvalorização, continuam cautelosas em seus investimentos nesse novo cenário.
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